Nas últimas décadas do século XX São Paulo assiste o surgimento dos Moto-Boys.
Resposta apressada às exigências cada vez maiores de eficácia empresarial da economia globalizada os office boys motorizados, introduzindo simultaneamente no panorama das relações de trabalho e na paisagem urbana uma modalidade inusitada de tribalismo corporativo, por adotar um código peculiar de conduta podem se entregar coerentemente à barbárie no trânsito da grande cidade. Auto denominam-se Cachorros Loucos.

O mais famoso dos moto boys, celebrizado por seduzir e matar, sozinho e em série, garotas num matagal da zona sul, teve estampada em inúmeras fotos de jornal a expressão de sofrimento de seus velhos pais que não conseguiam reconhecer no garoto que ele fora o assassino frio que confessou ser.
Cachorros contraem raiva, em geral, por negligência do dono. Soltos na rua, em disputa pela fêmea no cio, os cães vadios acabam por encontrar um oponente contaminado, saindo feridos da contenda e, à partir daí, fadados a desenvolver a doença. Nestes casos mesmo o cão vacinado estará condenado à morte horrível que decorre da hidrofobia.
Vale lembrar que cães raramente passam sem ter um dono. Animal visceralmente afeito aos pactos, o cão, quando "de rua", não deixa, por isso, de ser de alguém - em geral, como ele, sem teto - ou, de maneira informal, agregar-se a algum núcleo comunitário, de bairro ou quarteirão, que irá lhe fornecer, principalmente, comida.


As Balada do Cachorro Louco

Como num RAP
Quem me vê assim não diz
Mas um dia eu já fui um cachorro feliz
Há muito tempo atrás
Nos dias que eu vivi com os meus pais
Eu podia
Ser amigo das flores dos homens e dos animais
Eu me sentia capaz
Eu me sentia forte
No meu tempo de filhote a morte não existia
Eu brincava com meu pai
Na minha mãe eu mamava
No meu tempo de filhote eu sempre escapava
Hoje eu sei que a vida está para mim por um triz
Quem me vê assim não diz
Mas no meu tempo de filhote eu sei que fui feliz
A minha casa era muito engraçada
Não tinha teto, ela não tinha nada
Ninguém podia entrar nela, não
Porque minha família não tolerava invasão
E a gente dava patada
Cravava o dente
No meu tempo de filhote a coisa era diferente
Eu brincava com meu pai
Na minha mãe eu mamava
No meu tempo a coisa tava braba
Mas eu vivia contente
Mas não pense, nem por um segundo,
Que alguém me dava na boca, ah...
A minha casa era uma toca
Era um buraco fundo
Quando eu nasci naquele fim de mundo
Um anjo veio ler a minha mão
E ele tava imundo
E a gente dava patada
Diariamente
No meu tempo de filhote, pra mim,
Era indiferente, pois,
Se eu brincava com meu pai,
Na minha mãe eu mamava,
A tristeza para mim veio muito depois
Como eu dizia
A minha casa era muito engraçada
De costas pro mato
De frente pra rodovia
A minha mãe sumiu no pó da estrada
E o meu pai, um belo dia, comeu
Aquilo que não podia
E eu
Amanheci abandonado
Sem ninguém do lado
Pra me fazer companhia
Eu vivi no ventre da Baleia
Eu não fazia idéia
A melancolia que me deu!
Eu gritava por meu pai
Mas ele não chegava
Eu senti minha garganta seca
Eu não mamava
Eu não sei exatamente como aconteceu
Mas um dia eu acordei e o filhote já não era eu
( Wild Thing, Wild, Wild Thing )
E foi assim que eu cresci
Se não me falha a memória
De qualquer maneira
Foi sempre assim que eu vivi
A minha vida ela não tem mistério
Eu sou amigo do homem
Se tenho sede eu bebo
E como se tenho fome
Eu não tenho nome
Porque não tenho dono
Eu durmo se tenho sono
Se der vontade eu desperto
Eu aprendi que o mundo é de quem chega perto
No momento certo
E faz o acerto direito
O caminho é estreito
Eu não sei outro jeito
Meu repouso perfeito
É onde eu deito
Eu levanto
Se nada me impede
Eu pensei que a rua fosse minha
Porque na minha casa não tinha parede
Eu cai na rede
Rolei da ribanceira
Pisei num caco de vidro
Na mais profunda miséria
Finquei um estrepe no dedo
Fiquei gelado de medo
Eu entrei muito cedo
Na minha história
( Wild Thing, Wild, Wild, Wild Thing )
Eu tropeço
Recomeço
Volto do fim pro começo
Quando eu penso em não fazer assim
Eu quase sempre esqueço
Eu pago o preço do sucesso que eu não mereço
Eu peço um prazo pra rezar o terço
Eu dou e desço
Eu agradeço a atenção dispensada
Dispenso a facada
Se alguém me aperta a corda no pescoço
Eu largo o osso
Eu sempre leio a instrução
Mas quase nunca sigo à risca
Eu penso
Que o perigo do anzol é o sabor da isca
( Wild Thing )
Quem me vê asim não diz
Que a vida está por um triz
Feliz
Eu era feliz e sabia
Eu daria tudo que eu tenho
Pra ter a infância de volta
Ah! Mas que mancada
Eu já não tenho nada