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Medusa


Diz-nos Italo Calvino
nas suas Seis Propostas que
um dos ideais da poesia
é a Leveza - vista aí

no sentido que realce
o que subjaz, intrínseco,
ao aparente paradoxo
que há entre o que é leve e o que pesa -

e à guisa de argumento
usa a metáfora da Medusa
que petrifica a quem ousa
lançar-lhe um olhar direto

Ser um bloco de concreto
- face do peso da vida -
tem sua contrapartida
na natureza do objeto

que Perseu, não por acaso,
recebe das mãos das Musas:
um escudo que reluz a
tal ponto, que não só

protege como projeta
a hórrida imagem da Górgona.
Veja a vantagem de um cego:
escapa ao flerte enquanto luta

guiado pelo reflexo
e leva a termo a batalha
talhando o monstro, à navalha,
na altura do pescoço.

Redivivo em herói o moço
parte, retoma a jornada
- as alpercatas aladas -
leve, levando na bolsa o

crânio recém degolado
peso arrancado do corpo
que lançará em torpor
pétreo, rígido, pesado

a quem olhos lhe ofereça
basta que se o erga do alforje.
A partir de agora rege
Perseu mais uma cabeça