Cantiga de Amigo
Garrei na viola,
entoei uma moda,
ela era a marvada.
Dancei um bolero:
a dor que me mata
é a ingrata.
Lancei mão do violão
decidido a fazer um samba
ela era a razão.
No meu forró,
ela é o xodó.
A transpiração
no meu som de negrão
O cuspe
do roque punk
Fiz um reggae
ela é o skank
A moça da minha brega
Marquei um futebol, sábado, três e meia
Depois um pagode,
violão e cavaquinho.
Com-amor-muito-carinho
ensinei pra patuléia:
"Ela é muita areia
pro meu caminhãozinho".
Quem me aplaude?
Fiz um soneto do Vinícius
com música do Tom Jobim,
uns toques do Newton Mendonça
e a voz do João Gilberto
putz! nem parece que eu fiz sozinho!
tinha até bim bom bim bim!
- Tô louco que você ouça!
mandei a fita e um bilhetinho.
... inútil sacrifício
não deu certo.
Fui no computador
fiz um som pesado paca
um jungle-trip-dub-bate-estaca,
matador
música pra dançar chapado
- cercado de homem por tudo que é lado -
do começo até o fim
gritando: Dancing queen! Dancing queen!
nem assim.
Ataquei uma salsa
cheio de malícia.
Na zona do baixo meretrício,
a corja comigo em coro,
a malta, a manada, a súcia
repetindo: Volúpia! Volúpia!
Premissa falsa.
Pura estultícia.
No meio da balbúrdia
fechava os olhos e entendia,
por dentro, sonoro:
Letícia, Letícia.
Quase choro!
Letícia.
Noite alta, céu risonho,
quis fazer uma seresta:
'nos teus olhos eu suponho'
'a ruazinha modesta'
a valsa dolente, o amor eterno,
'Tornei-me um ébrio'!!!
A noite inteira no sereno,
aquele frio!
Como o Quixote à Dulcinéia
como à Marília, Dirceu
como Dante a Beatriz
eu
me fiz
compor
elegias
coletâneas
odes de amor
a mancheia.
Como o Romeu de Shakespeare,
afogueado de paixão,
quis recitá-las na alcova,
de cor.
Do alto de uma árvore,
na escada que escala o balcão,
ouço o corvo que avisava:
never more, never more
Procurei um analista,
(peguei o endereço numa revista,
'pago no cartão
ou à vista')
falei, deitado no divã:
- Doutor, presta
atenção
no que eu pensei hoje de manhã!
Se eu fosse um marujo,
daqueles cujo
prazer
é se estirar no convés pra ver
a lua cheia,
ela era a sereia.
Se eu fosse o marinheiro
e ela o peixe encantador,
pedia pros companheiros:
Por favor,
por enquanto,
me deixem amarrado no mastro.
Até que silenciasse o canto,
tapava os ouvidos com cera,
quem persegue aquele rastro
já era!
Se eu morasse condenado numa cela
botava na minha mente
que dessa vez ia fazer diferente.
Escrevia uns negócio pra ela,
trocava uma idéia.
- Sai fora com esses tipo de papo groselha,
xarope,
que os cara entope as orelha da mina
depois desmente
afina
na hora que tá com tudo em cima!
Só ia ter papo decente!
Punha a carta no correio, aí, ó,
só na moral, tá ligado?
puta dum clima!
passava um ano,
no dia das visita: - Espera sentado
que ela num veio aí, ó,
mano,
que foi num passeio.
Aí, ó...
Tudo isso eu falei na entrevista,
lembra? com o terapista?
Emendei: oh,
doutor,
supõe:
tem uma dor,
que quando eu penso na vadia,
escuta só,
não importa o dia que caia,
pega a me dar uma agonia
não é preciso nem que eu insista,
é coisa que dá na vista,
nem o Cristo remedeia!
Ele deu a pista,
na veia:
- Isso é problema com a mãe,
só que agora,
acabou o prazo da sua hora,
o senhor me acompanhe,
acerta com a secretária
e área.
Dei o fora, fui fazer um twist
um som mais animado
que eu já estava meio triste
e ainda pensei: meu leitorado,
assim, desiste.
Emplastrei o cabelo com gomalina
saí, fui na matinê.
Fiquei reparando o laquê
do cabelo das meninas,
na fila, pra espairecer.
Ela apareceu com um cara
num sedã cupê.
Pra que?
Me acabei de ciúme!
Fiquei pra baixo de cu de cachorro!
Eu já vi esse filme:
no fim eu morro.